Fui criada num laboratório de
materiais fonográficos. Eram milhares de irmãzinhas que eu ganhava todos os
dias. Cada uma com seu estilo de música gravada. Eu, por exemplo, era de música
sertaneja. O dono do laboratório, El Leon, mais conhecido como El Jodón entre
os funcionários, enviava semanalmente uma imensa remessa para o Paraguai. Eu
deveria estar entre ela, não fosse a idéia que ele teve de presentear sua
amante, Luna Durango, uma renomada prostituta, estando eu entre o agrado. A
moça ficou muito satisfeita. Foi uma época de muito sexo ao som da famosa dupla
na versão pirata.
Tive
um choque quando ele terminou o romance. Creio que a moça também, porque eu era
tocada dia e noite sob muitas lágrimas. Mas à medida que ela melhorava fui sendo
esquecida, o que me chateou muito. Eu precisava de um milagre. Ele veio.
Chamava-se Alfredo, era casado e muito envolvido com a Igreja. Não procurou a
mulher para fazer sexo, mas sim para convertê-la. Conseguiu. Luna abandonou o
prostíbulo com a roupa do corpo e alguns objetos pessoais, eu entre eles.
Luna
pediu a Alfredo que gravasse em mim algumas músicas sacras. Ele o fez e eu me
sentia muito feliz vendo quanta alegria conseguia despertar. Passei por
muitas mãos e ouvidos que encontravam em mim consolo e sabedoria. Até que umas
das moças que me emprestou de Luna esqueceu de me devolver. Fiquei
angustiadíssima, pois a cada dia era jogada num canto diferente e,
obviamente, fui logo esquecida. A reclusão novamente.
Mas
um rapaz felizmente me achou e resolveu me usar. Gravou o mais autêntico heavy
metal e me ouvia a todo volume. A época mais barulhenta de minha vida, sem
dúvida. E a mais alucinada, porque o garoto e seus amigos passavam o dia
fumando maconha, atingindo também minha consciência, que ficava totalmente
alterada.
O garoto se apaixonou e deu-me à sua namoradinha. Eu tocava agora uma seleção
de blues. A garota pareceu ter ficado contente, mas o seu sorriso me deixou
intrigada. Dias depois, entendi: com o volume no último, ela apareceu no
quarto. Éramos eu e mais um cara – que não é aquele que me deu a ela –
assistindo a cena. Ela começou a tirar a roupa e o homem ficou muito louco. Não
só ele como também o suposto namorado, que estava junto à janela do quarto
assistindo a tudo. O namorado ficou completamente descontrolado, sua vagabunda, sua
puta, piranha, o que é que você pensa que tá fazendo, hein, e ela, muito dona
de si, você não manda em mim, tá se alugando por quê, seu idiota, o outro num
silêncio fúnebre e eu com aquele sax a todo volume. Passado o susto, a garota
começou a beber uísque, eu com ela. Fizemos um porre épico. O primeiro de
nossas vidas.
A
garota era bacana, e senti muito quando fui dada para um viúvo. O cara me
odiava. Nunca me ouvia. Acabei novamente sendo esquecida. Fui jogada no
porta-luvas. Seria agora o meu fim? Errado: ele deu carona para uma moça que
depois de alguns minutos ficou irritada com as emissoras de rádio por só
tocarem músicas que estavam bem longe do seu gosto musical. Ela abriu o
porta-luvas: é de quê? perguntou curiosa olhando para mim. Sei lá, o idiota
respondeu. Ela me pôs e ficou encantada com aquele blues. Eu estava numa fase
muito depressiva e aquele blues me fez chorar. Também me comoveu o fato de ter
encontrado finalmente alguém que, eu sabia, jamais iria me abandonar. O resto
foi conseqüência: a garota pediu para o idiota se podia me pegar, ele deixou e fui até sua casa. Estava tudo certo e o final seria feliz, sem dúvida. Mas
aí a porcaria do rádio teve de estragar tudo: enrolou-me quase que totalmente,
deixando somente um pouco de espaço que é, inclusive, o meio que utilizo
para lhes contar minha história. Não há mais saída: o rádio já me sorri
malignamente, diverte-se com meu sofrimento. Por que eu, eu que nunca fiz
mal...ugh...soc...ugh...ai...ugh...
...ugh.
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