Há poucos dias assisti novamente ao
filme Lost in translation, escrito e
dirigido por Sofia Coppola. Gosto demais deste exercício de releitura de uma
determinada obra para afinal descobrir como estamos em mudança e que, portanto,
tudo o que conhecemos – músicas, filmes, livros, pessoas – pode ser reformulado
sob outro ponto de vista.
Abordarei aspectos do filme que aqui interessam: Dois personagens oriundos de um mesmo país se conhecem em
outro, com língua e cultura totalmente diferentes, sem contar, é claro, com
outros fatores que tornariam o cenário ainda mais inóspito. Trata-se de um
espaço urbano que os coloca em relação aos sentidos de uma alteridade radical,
um lugar no qual eles se sentem, o tempo todo, estrangeiros. E foi esse
movimento de subjetividade-alteridade o que me toca neste momento.
Esse encontro entre os dois permite,
em meio a tanto estranhamento, uma profunda identificação, um sentido mais
profundo de entendimento, bastante similar com a letra da música You speak my language, do sempre
magnífico Morphine. Falar a língua do
outro está muito além dos sentidos idiomáticos. É conseguir uma entrada em um
espaço subjetivo, em um lugar no qual o próprio eu está para sempre, desde sua
entrada na linguagem como sujeito falante, sentindo-se estrangeiro.
Assim, no filme, o espaço urbano
pode ser associado à metáfora de nossa própria subjetividade. Essa metáfora
permite explorar aspectos em relação ao estranhamento desse espaço, ou seja,
quanto a nós mesmos na relação com o deserto das subjetividades com e (d)o(s)
outro(s). Também mostra como nesse espaço subjetivo (con)vivemos com os
constantes efeitos de um fuso horário sempre inadequado, sempre intruso e
corrosivo. Os efeitos de uma temporalidade subjetiva, inconsciente, que
funciona a despeito de nós, que irrompe e nos coloca às voltas com um delay na história de nossa vida. Somente
muito tempo depois de agirmos é que temos alguma condição de explicar e ter maior
entendimento sobre nossas motivações e receios. Ocorre que nesse espaço-momento
de (re)formulação do que foi, outro movimento subjetivo está em curso. O delay novamente.
O título do filme foi traduzido
para a língua portuguesa como Encontros e
desencontros. Um título que explora diferentemente os efeitos de sentidos
produzidos se colocados em relação ao original. A formulação em português coloca em questão nossas
relações afetivas na dualidade início/fim, funcionamentos subjetivos e
relacionais que parecem caminhar para os aspectos da narrativa, sendo o
pretérito perfeito um tempo verbal adequado. Esse funcionamento verbal coloca o
sujeito em outro plano, como se pudesse (re)contar a partir de outro
espaço-tempo e, sobretudo, de outra posição subjetiva, os encontros e
desencontros, como estes se deram e como terminaram. É possível também compreender
que o título aponta para um efeito dual sobre as relações. Ou seja, as relações
iniciam e, um dia, acabam.
No entanto, exatamente nesse aspecto aparentemente certeiro
entre encontro e desencontro reside o engodo, posto residir aí um intervalo, um
resto que permanece, para aflição e gozo dos envolvidos. Não se pode pressupor
que haja um vácuo, uma fronteira lacunar e sem sentidos entre o encontro, o
momento de envolvimento com o outro, e o desencontro. É o efeito de gran finale do título em português que
deixa entrever um resto, uma marca que o outro imprime em nós. O desencontro
nem sempre significa despedida, tampouco rompimento.
Abordando os sentidos do título em
inglês, retomemos a interpretação anteriormente proposta do espaço urbano como
metáfora de nossa constituição subjetiva. Assim, o título em inglês marca para
um desde sempre perdido, condição da
qual não se sai nem se arranca. O sujeito vai se (re)virando conforme pode e
consegue. Perdido na tradução marca
essa condição infinita (infinitiva) de um sujeito que (se) habita e da qual não
pode sair. Por essa razão, assistir ao filme desta vez não produziu a seca
sensação do ponto final, mas também não suavizou quando dos sentidos de um
possível vir a ser, de um gesto que poderia ser associado às reticências.
Neste movimento entre pontuações de
sua própria existência, o sujeito tenta, sempre e a todo custo, amarrá-la, dar
sentido e coerência àquilo que o cerca, às (re)ações e aos laços afetivos que o
envolvem. Mas, não tem jeito, e aí talvez resida um interessante sentido produzido pelo título original: estaremos, também para sempre, perdidos neste constante exercício
de tradução de nossa vida.