Tempo que (de)manda
Tempo que (des)mancha
Tempo que (es)(a)colhe
Tempo que (se)para
Tempo que (con)flui
Tempo que (con)(es)corre
Tempo que (v)/(s)oa
Tempo (t)/(m)eu
Tempo de/para (f)/(s)/(m)im
ILUMIVÁRIAS
Contos, cartas, cinema, literatura, música e tudo o que ilumina minhas ideias
domingo, 6 de maio de 2018
segunda-feira, 23 de abril de 2018
Destinatário não localizado (2018)
Tenho inúmeras cartas engavetadas
Todas endereçadas a mim mesma
E que jamais chegarão ao seu destino
Todas endereçadas a mim mesma
E que jamais chegarão ao seu destino
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016
Kafka e (o amor) (d)o pai (2016)
Aproximadamente 15 anos depois, li novamente “Carta
ao pai”, de Franz Kafka. E, ao contrário do que pensava, essa segunda leitura,
agora feita em idade adulta, não tornou esse empreendimento mais confortável, muito
ao contrário. Se na primeira vez havia uma súbita revolta que revirava o peito
e me fazia posteriormente explodir de algum modo, sobretudo pela palavra, o mal-estar que o texto
produzira em mim, nesse segundo investimento, foi de outra ordem: fui tomada por um imenso silêncio, que
vez por outra me obrigava a parar a leitura, pousar os olhos em algum ponto da
parede e permitir que algo em mim falasse, o que, neste caso, tomada pela
ausência de palavras, era traduzido por lágrimas.
Há certo encantamento por parte dos críticos
quando estes afirmam que a longa carta escrita por Kafka a Hermann Kafka, em
1919, tempos depois de deixar a casa dos pais, funciona como uma comprovação
para a escolha de seus textos alegóricos, por privilegiar personagens vítimas
de alguma instância opressora, fosse ela divina, governamental ou familiar, por
exemplo.
Ao reler a obra, porém, esses aspectos tiveram para
mim pouca importância. Quando conseguimos mergulhar no texto sem
recorrer à imagem construída em torno de Kakfa – do escritor genial, do
excelente construtor de tramas cujos personagens são, a despeito de sua
vontade, levados a percorrer um caminho obscuro, repleto de amigos duvidosos, mas
com inimigos bem delineados – ficamos mais sensibilizados com a tocante fragilidade daquele
filho que pede um olhar mais amoroso de seu pai.
Kafka afirma em certo momento: “Eu, fraco, débil,
enxuto; tu, forte, grande, amplo. Já na cabine sentia-me lamentável, e não
somente diante de ti, mas diante de todo o mundo, pois eras para mim a medida
de todas as coisas”. Esse é um fragmento exemplar porque apresenta muito do
esforço de Kafka na carta que endereça ao pai: dizer o quanto lamenta ser quem
é, elevar o pai à máxima grandeza e, se isso não fosse o bastante, dizer que
seu pai é, simplesmente, “a medida de todas as coisas”. Esta expressão, inclusive, pode ser encontrada mais de uma vez na obra (pude contar pelo menos três vezes
em que ele formula desse modo para falar sobre o pai).
A imagem de fracasso que Kafka constrói sobre si é
tão cristalizada que em certo momento começamos a entender que o pai nem
precisaria ser tão especial, posto o lugar absolutamente inferior no qual Kafka
se coloca. Mas não se trata disso: há uma impressionante construção de cenas
que colocam esse pai em uma esfera de poder, de alguém cuja influência na vida
de Kafka é incomparável. De alguém que faz Kafka temer até os ossos e cujas
palavras reverberam até as profundezas daquele homem. Ele levava muito a sério
as palavras e a presença do pai, tanto que os exemplos que utiliza para
elogiar ou criticar ou pai mostram como Kafka era um meticuloso observador, como estava às voltas estudando os gestos do pai, as palavras, os tons da voz,
os péssimos exemplos, as contradições, as ironias fatais (para Kafka). E essa
presença, colocada desde o início da carta, tem um efeito esmagador sobre o
percurso existencial de Kafka. Como ele diz: “Representaste para mim todo o
mistério que possuem todos os tiranos”.
Talvez esse efeito de esmagamento possa ser associado à imensa dificuldade de Kafka em construir outros laços amorosos. Ele fala na carta, inclusive,
sobre sua dificuldade em se casar, deixando explícita a importância que este
ato representa para sua vida: “Casar, fundar uma família, aceitar os filhos que
venham, mantê-los e até encaminhá-los neste mundo inseguro é, segundo a minha
convicção, o máximo a que pode aspirar um homem”. As longas explicações que
Kafka utiliza para demonstrar o pavor que a simples possibilidade de
concretização do ritual de casamento provoca nele podem soar covardes, mas
também extremamente sensíveis a alguém que está sob o jugo dessa imagem que
construiu sobre o pai e que é perturbadora para Kakfa.
Trata-se de uma carta repleta de violência, seja nas
imagens que Kafka constrói de si enquanto um derrotado, seja na imagem do pai
enquanto um opressor. Mas trata-se de uma carta que, no entanto, jamais chegou
às mãos do leitor mais evocado, seu pai. Ela estava entre os outros escritos
que Kafka entregou a seu amigo Max Brod antes de deixar este mundo.
Esse gesto de jamais entregar a carta traz à cena o trabalho de Eni Orlandi sobre o silêncio (“As formas do
silêncio”). De acordo com a pesquisadora, entre os diferentes e possíveis modos
de existência dos sentidos e do silêncio, também temos este: “aquilo que é o
mais importante nunca se diz”. Retomando o modo como Kafka elabora a relação
com seu pai, enquanto “círculo severíssimo”, o casamento como um “perigo”, e
considerando que Kafka não hesitou em abrir mão de qualquer prática de
imposição, o mesmo destino se deu com as linhas produzidas para esta longa
carta dirigida ao pai: a renúncia.
quarta-feira, 23 de dezembro de 2015
Lost in translation (of life) (2015)
Há poucos dias assisti novamente ao
filme Lost in translation, escrito e
dirigido por Sofia Coppola. Gosto demais deste exercício de releitura de uma
determinada obra para afinal descobrir como estamos em mudança e que, portanto,
tudo o que conhecemos – músicas, filmes, livros, pessoas – pode ser reformulado
sob outro ponto de vista.
Abordarei aspectos do filme que aqui interessam: Dois personagens oriundos de um mesmo país se conhecem em
outro, com língua e cultura totalmente diferentes, sem contar, é claro, com
outros fatores que tornariam o cenário ainda mais inóspito. Trata-se de um
espaço urbano que os coloca em relação aos sentidos de uma alteridade radical,
um lugar no qual eles se sentem, o tempo todo, estrangeiros. E foi esse
movimento de subjetividade-alteridade o que me toca neste momento.
Esse encontro entre os dois permite,
em meio a tanto estranhamento, uma profunda identificação, um sentido mais
profundo de entendimento, bastante similar com a letra da música You speak my language, do sempre
magnífico Morphine. Falar a língua do
outro está muito além dos sentidos idiomáticos. É conseguir uma entrada em um
espaço subjetivo, em um lugar no qual o próprio eu está para sempre, desde sua
entrada na linguagem como sujeito falante, sentindo-se estrangeiro.
Assim, no filme, o espaço urbano
pode ser associado à metáfora de nossa própria subjetividade. Essa metáfora
permite explorar aspectos em relação ao estranhamento desse espaço, ou seja,
quanto a nós mesmos na relação com o deserto das subjetividades com e (d)o(s)
outro(s). Também mostra como nesse espaço subjetivo (con)vivemos com os
constantes efeitos de um fuso horário sempre inadequado, sempre intruso e
corrosivo. Os efeitos de uma temporalidade subjetiva, inconsciente, que
funciona a despeito de nós, que irrompe e nos coloca às voltas com um delay na história de nossa vida. Somente
muito tempo depois de agirmos é que temos alguma condição de explicar e ter maior
entendimento sobre nossas motivações e receios. Ocorre que nesse espaço-momento
de (re)formulação do que foi, outro movimento subjetivo está em curso. O delay novamente.
O título do filme foi traduzido
para a língua portuguesa como Encontros e
desencontros. Um título que explora diferentemente os efeitos de sentidos
produzidos se colocados em relação ao original. A formulação em português coloca em questão nossas
relações afetivas na dualidade início/fim, funcionamentos subjetivos e
relacionais que parecem caminhar para os aspectos da narrativa, sendo o
pretérito perfeito um tempo verbal adequado. Esse funcionamento verbal coloca o
sujeito em outro plano, como se pudesse (re)contar a partir de outro
espaço-tempo e, sobretudo, de outra posição subjetiva, os encontros e
desencontros, como estes se deram e como terminaram. É possível também compreender
que o título aponta para um efeito dual sobre as relações. Ou seja, as relações
iniciam e, um dia, acabam.
No entanto, exatamente nesse aspecto aparentemente certeiro
entre encontro e desencontro reside o engodo, posto residir aí um intervalo, um
resto que permanece, para aflição e gozo dos envolvidos. Não se pode pressupor
que haja um vácuo, uma fronteira lacunar e sem sentidos entre o encontro, o
momento de envolvimento com o outro, e o desencontro. É o efeito de gran finale do título em português que
deixa entrever um resto, uma marca que o outro imprime em nós. O desencontro
nem sempre significa despedida, tampouco rompimento.
Abordando os sentidos do título em
inglês, retomemos a interpretação anteriormente proposta do espaço urbano como
metáfora de nossa constituição subjetiva. Assim, o título em inglês marca para
um desde sempre perdido, condição da
qual não se sai nem se arranca. O sujeito vai se (re)virando conforme pode e
consegue. Perdido na tradução marca
essa condição infinita (infinitiva) de um sujeito que (se) habita e da qual não
pode sair. Por essa razão, assistir ao filme desta vez não produziu a seca
sensação do ponto final, mas também não suavizou quando dos sentidos de um
possível vir a ser, de um gesto que poderia ser associado às reticências.
Neste movimento entre pontuações de
sua própria existência, o sujeito tenta, sempre e a todo custo, amarrá-la, dar
sentido e coerência àquilo que o cerca, às (re)ações e aos laços afetivos que o
envolvem. Mas, não tem jeito, e aí talvez resida um interessante sentido produzido pelo título original: estaremos, também para sempre, perdidos neste constante exercício
de tradução de nossa vida.
quinta-feira, 2 de julho de 2015
Das leituras de uma HQ e suas linhas (2015)
Livros
são presentes inestimáveis. Sempre me alegro quando alguém decide demonstrar seu afeto com um livro. E, por estes
dias, tive várias alegrias em torno de um presente: além de ganhar de presente um livro do recém
e já estimado colega Guilherme Silveira, descubro que se trata de uma obra de
sua autoria. Mais: além de pesquisador, Guilherme é um artista. Um
artista das HQs. E isso, para mim, é imenso.
Houve
um período em que vivi para ler HQs. Meus acessos eram precários, portanto lia
o que aparecia: quadrinhos que minha mãe comprava, quadrinhos que pegava
emprestado de uma vizinha, alguns quadrinhos da escola, até mesmo aqueles que
qualquer figura generosa deixava à vista para que leitores vorazes como eu
pudessem lê-los.
Fazia muito tempo que não lia HQs. Anos dedicados a outros projetos e outras
leituras sequestraram-me de alguns divertimentos. É bom quando constatamos que
a passagem dos dias não diminui as paixões, e que às vezes podemos encontrá-las
com maior maturidade por conta de outras vivências. Conhecer o Guilherme foi
uma excelente oportunidade de retomar conversas sobre quadrinhos, autores,
histórias. Guilherme é um competente e apaixonado leitor de quadrinhos e
ouvi-lo significa, também, aprender.
Depois
de me emprestar “Guerra de ideias”, de Flavio Calazans, Guilherme me entrega o
seu livro, sem dedicatória, pela qual irei pacientemente esperar. Um livro
bonito, todo em preto e branco, cujo título coloca em pauta tal escolha: “Preto
no preto branco no branco”.
Minha
interpretação a partir da leitura da HQ tomou duas direções. Uma delas aponta
para o que na obra tem a ver com nossa subjetividade, em torno de nossas
demandas e nossas escolhas frente às questões mais imediatas e mais amplas. A
obra de Guilherme produziu interrogações em torno de minhas condutas e de meus processos
de escolhas, sobretudo nestes últimos anos. Não interpreto uma moralidade na
obra, e sim um jogo de espelhos no qual o leitor se vê e cuja
eficácia deste funcionamento se faz na escolha estética pelas linhas, que trabalham com a (não)
repetibilidade.
Uma outra direção de minha leitura volta-se ao processo de criação que envolve toda obra. Guilherme consegue traçar uma inesperada metalinguagem, optando por elementos que lhe marcam: As linhas. Se elas formam uma de suas tatuagens, também comparecem neste trabalho. Repetitivo? De modo algum. Quando lhe perguntam sobre a tatuagem em seu braço (e geralmente são alunos curiosos por descobrir o que o motivou a tal escolha), Guilherme, sorrindo, explica que se trata de uma alusão ao álbum do Joy Division, Unknown Pleasures. Já em sua HQ, Guilherme faz com que as linhas atendam às suas ideias. Se a linha, em seus traços contínuos, é uma das mais fortes metáforas sobre a jornada existencial, Guilherme a retoma mostrando que, em um conjunto, as linhas podem formar um quadro único e irrepetível. Em conversa sobre sua obra, Guilherme contou que foi uma opção desenhar as linhas sem o uso de recursos como régua ou computador. Cada linha, a partir do que foi construído nos desenhos, é exclusiva, assim como cada conjunto que forma com as demais. Não é, de fato, uma bela metáfora sobre cada uma de nossas vidas?
Uma outra direção de minha leitura volta-se ao processo de criação que envolve toda obra. Guilherme consegue traçar uma inesperada metalinguagem, optando por elementos que lhe marcam: As linhas. Se elas formam uma de suas tatuagens, também comparecem neste trabalho. Repetitivo? De modo algum. Quando lhe perguntam sobre a tatuagem em seu braço (e geralmente são alunos curiosos por descobrir o que o motivou a tal escolha), Guilherme, sorrindo, explica que se trata de uma alusão ao álbum do Joy Division, Unknown Pleasures. Já em sua HQ, Guilherme faz com que as linhas atendam às suas ideias. Se a linha, em seus traços contínuos, é uma das mais fortes metáforas sobre a jornada existencial, Guilherme a retoma mostrando que, em um conjunto, as linhas podem formar um quadro único e irrepetível. Em conversa sobre sua obra, Guilherme contou que foi uma opção desenhar as linhas sem o uso de recursos como régua ou computador. Cada linha, a partir do que foi construído nos desenhos, é exclusiva, assim como cada conjunto que forma com as demais. Não é, de fato, uma bela metáfora sobre cada uma de nossas vidas?
sexta-feira, 29 de maio de 2015
Fora de época (2015)
Sentiu precipitar em si um rigoroso inverno; de sua janela era possível flagrar as flores explodindo em cores.
sexta-feira, 12 de dezembro de 2014
Pintando a vida (2014)
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