quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Lost in translation (of life) (2015)

Há poucos dias assisti novamente ao filme Lost in translation, escrito e dirigido por Sofia Coppola. Gosto demais deste exercício de releitura de uma determinada obra para afinal descobrir como estamos em mudança e que, portanto, tudo o que conhecemos – músicas, filmes, livros, pessoas – pode ser reformulado sob outro ponto de vista.

Abordarei aspectos do filme que aqui interessam: Dois personagens oriundos de um mesmo país se conhecem em outro, com língua e cultura totalmente diferentes, sem contar, é claro, com outros fatores que tornariam o cenário ainda mais inóspito. Trata-se de um espaço urbano que os coloca em relação aos sentidos de uma alteridade radical, um lugar no qual eles se sentem, o tempo todo, estrangeiros. E foi esse movimento de subjetividade-alteridade o que me toca neste momento.

Esse encontro entre os dois permite, em meio a tanto estranhamento, uma profunda identificação, um sentido mais profundo de entendimento, bastante similar com a letra da música You speak my language, do sempre magnífico Morphine. Falar a língua do outro está muito além dos sentidos idiomáticos. É conseguir uma entrada em um espaço subjetivo, em um lugar no qual o próprio eu está para sempre, desde sua entrada na linguagem como sujeito falante, sentindo-se estrangeiro.

Assim, no filme, o espaço urbano pode ser associado à metáfora de nossa própria subjetividade. Essa metáfora permite explorar aspectos em relação ao estranhamento desse espaço, ou seja, quanto a nós mesmos na relação com o deserto das subjetividades com e (d)o(s) outro(s). Também mostra como nesse espaço subjetivo (con)vivemos com os constantes efeitos de um fuso horário sempre inadequado, sempre intruso e corrosivo. Os efeitos de uma temporalidade subjetiva, inconsciente, que funciona a despeito de nós, que irrompe e nos coloca às voltas com um delay na história de nossa vida. Somente muito tempo depois de agirmos é que temos alguma condição de explicar e ter maior entendimento sobre nossas motivações e receios. Ocorre que nesse espaço-momento de (re)formulação do que foi, outro movimento subjetivo está em curso. O delay novamente.

O título do filme foi traduzido para a língua portuguesa como Encontros e desencontros. Um título que explora diferentemente os efeitos de sentidos produzidos se colocados em relação ao original. A formulação em português coloca em questão nossas relações afetivas na dualidade início/fim, funcionamentos subjetivos e relacionais que parecem caminhar para os aspectos da narrativa, sendo o pretérito perfeito um tempo verbal adequado. Esse funcionamento verbal coloca o sujeito em outro plano, como se pudesse (re)contar a partir de outro espaço-tempo e, sobretudo, de outra posição subjetiva, os encontros e desencontros, como estes se deram e como terminaram. É possível também compreender que o título aponta para um efeito dual sobre as relações. Ou seja, as relações iniciam e, um dia, acabam.

No entanto, exatamente nesse aspecto aparentemente certeiro entre encontro e desencontro reside o engodo, posto residir aí um intervalo, um resto que permanece, para aflição e gozo dos envolvidos. Não se pode pressupor que haja um vácuo, uma fronteira lacunar e sem sentidos entre o encontro, o momento de envolvimento com o outro, e o desencontro. É o efeito de gran finale do título em português que deixa entrever um resto, uma marca que o outro imprime em nós. O desencontro nem sempre significa despedida, tampouco rompimento.

Abordando os sentidos do título em inglês, retomemos a interpretação anteriormente proposta do espaço urbano como metáfora de nossa constituição subjetiva. Assim, o título em inglês marca para um desde sempre perdido, condição da qual não se sai nem se arranca. O sujeito vai se (re)virando conforme pode e consegue. Perdido na tradução marca essa condição infinita (infinitiva) de um sujeito que (se) habita e da qual não pode sair. Por essa razão, assistir ao filme desta vez não produziu a seca sensação do ponto final, mas também não suavizou quando dos sentidos de um possível vir a ser, de um gesto que poderia ser associado às reticências.


Neste movimento entre pontuações de sua própria existência, o sujeito tenta, sempre e a todo custo, amarrá-la, dar sentido e coerência àquilo que o cerca, às (re)ações e aos laços afetivos que o envolvem. Mas, não tem jeito, e aí talvez resida um interessante sentido produzido pelo título original: estaremos, também para sempre, perdidos neste constante exercício de tradução de nossa vida.  

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