quinta-feira, 2 de julho de 2015

Das leituras de uma HQ e suas linhas (2015)

   Livros são presentes inestimáveis. Sempre me alegro quando alguém decide demonstrar seu afeto com um livro. E, por estes dias, tive várias alegrias em torno de um presente: além de ganhar de presente um livro do recém e já estimado colega Guilherme Silveira, descubro que se trata de uma obra de sua autoria. Mais: além de pesquisador, Guilherme é um artista. Um artista das HQs. E isso, para mim, é imenso.
  Houve um período em que vivi para ler HQs. Meus acessos eram precários, portanto lia o que aparecia: quadrinhos que minha mãe comprava, quadrinhos que pegava emprestado de uma vizinha, alguns quadrinhos da escola, até mesmo aqueles que qualquer figura generosa deixava à vista para que leitores vorazes como eu pudessem lê-los.
  Fazia muito tempo que não lia HQs. Anos dedicados a outros projetos e outras leituras sequestraram-me de alguns divertimentos. É bom quando constatamos que a passagem dos dias não diminui as paixões, e que às vezes podemos encontrá-las com maior maturidade por conta de outras vivências. Conhecer o Guilherme foi uma excelente oportunidade de retomar conversas sobre quadrinhos, autores, histórias. Guilherme é um competente e apaixonado leitor de quadrinhos e ouvi-lo significa, também, aprender.
  Depois de me emprestar “Guerra de ideias”, de Flavio Calazans, Guilherme me entrega o seu livro, sem dedicatória, pela qual irei pacientemente esperar. Um livro bonito, todo em preto e branco, cujo título coloca em pauta tal escolha: “Preto no preto branco no branco”.
  Minha interpretação a partir da leitura da HQ tomou duas direções. Uma delas aponta para o que na obra tem a ver com nossa subjetividade, em torno de nossas demandas e nossas escolhas frente às questões mais imediatas e mais amplas. A obra de Guilherme produziu interrogações em torno de minhas condutas e de meus processos de escolhas, sobretudo nestes últimos anos. Não interpreto uma moralidade na obra, e sim um jogo de espelhos no qual o leitor se vê e cuja eficácia deste funcionamento se faz na escolha estética pelas linhas, que trabalham com a (não) repetibilidade.
  Uma outra direção de minha leitura volta-se ao processo de criação que envolve toda obra. Guilherme consegue traçar uma inesperada metalinguagem, optando por elementos que lhe marcam: As linhas. Se elas formam uma de suas tatuagens, também comparecem neste trabalho. Repetitivo? De modo algum. Quando lhe perguntam sobre a tatuagem em seu braço (e geralmente são alunos curiosos por descobrir o que o motivou a tal escolha), Guilherme, sorrindo, explica que se trata de uma alusão ao álbum do Joy Division, Unknown Pleasures. Já em sua HQ, Guilherme faz com que as linhas atendam às suas ideias. Se a linha, em seus traços contínuos, é uma das mais fortes metáforas sobre a jornada existencial, Guilherme a retoma mostrando que, em um conjunto, as linhas podem formar um quadro único e irrepetível. Em conversa sobre sua obra, Guilherme contou que foi uma opção desenhar as linhas sem o uso de recursos como régua ou computador. Cada linha, a partir do que foi construído nos desenhos, é exclusiva, assim como cada conjunto que forma com as demais. Não é, de fato, uma bela metáfora sobre cada uma de nossas vidas?